Testes genéticos em embriões ainda são controversos: conheça dois pontos de vista

Assunto ainda não é ponto pacífico, mas o consenso é de que pode assegurar às pessoas que buscam a reprodução assistida a garantia de uma gestação tranquila e ao ser humano gerado, uma vida com menos problemas de saúde
Atualmente, casais que desejam ter filhos têm a possibilidade de (e são recomendados a) realizar uma bateria de testes para assegurar uma gestação saudável, com menos riscos para o bebê e a mãe. Com o avanço da ciência, os exames genéticos podem ser acrescentados aos exames tradicionais a fim de possibilitar ainda mais segurança. Entretanto, o tema acaba gerando um debate ético no campo da medicina e da sociedade por exigir a análise dos embriões. Diferentes pontos de vista se colocam sobre a questão, sobretudo porque os especialistas em Reprodução Humana Assistida indicam cada vez mais a realização de testes detalhados e modernos. 

Esses exames identificam, além de problemas relacionados à fertilidade do casal, doenças genéticas que podem ser transmitidas dos pais para os filhos. De acordo com o médico ginecologista obstetra e presidente da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), Dr. Álvaro Pigatto Ceschin, o anseio de que o fruto de uma gestação seja saudável sempre permeou a tecnologia reprodutiva. “O que nós precisamos observar, é que quando lidamos com novas técnicas, a ética também deve estar presente”, completa. 

POLÊMICAS E IMPLICAÇÕES ÉTICAS 
O Dr. Ciro Martinhago, médico geneticista e head de reprodução humana e pré-natal da rede DASA, concorda que os testes genéticos neste âmbito sempre geram muita polêmica. “O tema é complexo porque há receios de parte da comunidade médica quando, ao aplicar um PGT-P, descobre-se a probabilidade de desenvolvimento de uma doença genética – mas o exame traz consigo vários fragmentos do nosso genoma que se agregam aleatoriamente. Alguns deles, ainda desconhecidos, podem modificar essa possibilidade", pontua o Dr. Martinhago. Na visão dele, contudo, isso tende a mudar nos próximos anos, principalmente porque a própria Medicina precisa avançar. “E isso, claro, ocorre aos poucos. 

O fato é que, quando se fala em testes, reprodução humana e genética, sempre haverá pontos de discordância. Mas esse é um caminho sem volta. O uso desses exames é inevitável e vai crescer ainda mais. Dentro de cinco anos, estimo que eles vão ser oferecidos a todos que buscarem o tratamento de reprodução assistida”, prevê o especialista. 

PREVENÇÃO DE DOENÇAS POLIGÊNICAS 
Por outro lado, os avanços quando se analisa o impacto sobre a Saúde, de forma global, são definidos pelo Dr. Martinhago como "maravilhosos". Isso porque seria possível reduzir taxas de mortalidade em adultos por doenças cardiovasculares ou câncer (as chamadas poligênicas). Juntas, as duas acometem entre 20 e 30% da população. "Quando analisamos a principal causa de morte no mundo, em 2017, foram 17 milhões de pessoas que morreram por doenças cardiovasculares e 10 milhões por câncer. São as doenças que mais matam adultos no mundo”, frisa. 

“A partir do momento em que você tem vários embriões e consegue selecionar aqueles com menor probabilidade de desenvolver doenças que mais matam adultos do mundo, obviamente o impacto financeiro e social na população é enorme. Mas, é claro que precisa existir códigos de ética que regulam isso”, completa o geneticista. 

Nos EUA, esse uso dos testes genéticos já é uma realidade. E, conforme a incidência dessas doenças aumentem, será inevitável que a necessidade por mecanismos de prevenção aumente também. 

NO BRASIL AINDA É RARIDADE 
Já no Brasil, é possível identificar, com exames desse tipo, a possibilidade de diabetes tipo 1 e tipo 2, doença coronariana, ataque cardíaco, hipercolesterolemia, hipertensão, câncer de mama, câncer testicular, câncer de próstata, carcinoma basocelular, melanoma maligno e esquizofrenia. 

Entretanto, dentro dos tratamentos de reprodução assistida, é uma raridade: foram apenas 10 casos nos últimos dois anos – e esse número é uma amostra de como essa é uma área ainda inóspita. “Em todos os casos já realizados, os testes envolviam famílias que não teriam filhos se não realizassem o teste, porque são famílias com alto risco genético de ter filhos com diabetes, esquizofrenia, entre outras patologias", destaca o Dr. Martinhago que faz, ainda, outro alerta. "É importante, também, mostrar o outro lado da moeda: há casais que desistem de ter filhos, de constituir família, porque não existe prevenção a esses tipos de doença. A reprodução assistida abre uma possibilidade para eles”, frisa. 

Mas o que acontece quando um teste como esse aponta alta chance de desenvolver a doença? Segundo o Dr. Martinhago, ainda não há uma legislação que especifique essa situação, mas ela deve vir nos próximos anos. Hoje, o embrião não pode ser descartado. "O resultado do teste não implica que o ser humano, necessariamente, desenvolverá a doença: é uma porcentagem estimada. E, diante da situação identificada, realiza-se a transferência daquele com as menores possibilidades", reforça. 

TESTES PRECISAM SE POPULARIZAR 
Para a Dra. Cristina Valletta de Carvalho, médica geneticista e gerente do Aconselhamento Genético da Igenomix Brasil, a questão não envolve dilemas éticos, mas em garantir o acesso a toda a população. Segundo ela, testes genéticos na forma de painéis de portadores não são novidade dentro da Medicina: o acesso ainda é restrito, sobretudo pelo valor agregado. "Avançamos muito com esses testes em todos os sentidos, especialmente sob o ponto de vista tecnológico e da seara da competitividade mercadológica. Sendo assim, essas análises passaram a ser divulgadas e realizadas com maior frequência. Não creio que esses testes tenham alarmado os médicos geneticistas, pois eles conhecem bem essas avaliações; elas já fazem parte do dia a dia deles”, afirma. 

A especialista reconhece, por outro lado, que essas técnicas podem ter gerado, entre médicos de outras áreas, uma insegurança inicial. Hoje, porém, a imensa maioria já conhece os painéis que são oferecidos. Os laboratórios já vêm, há algum tempo, em um movimento de divulgação científica que busca orientar a todos. 

A Dra. Cristina acrescenta, ainda, que a testagem genética para embriões obedece a regras de ética e conduta médica. Dessa forma, os casos enquadrados nesse contexto podem seguir para avaliação. “A partir do resultado obtido no painel genético de portadores do casal, caso tenhamos a identificação de risco aumentado para uma dada doença genética rara, este casal pode fazer uma avaliação buscando selecionar um embrião livre da doença em questão”, garante. 

BENEFÍCIOS NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA 
A especialista também reflete sobre os benefícios que essas análises podem oferecer nos procedimentos de Reprodução Assistida. “Considero que a análise existente e possível que temos atualmente visa evitar o nascimento de bebês com condições genéticas deletérias, que não teriam uma boa condição de desenvolvimento, com grandes restrições de vida e que, muitas vezes, nem mesmo passariam dos primeiros anos de vida", exemplifica . 

"Do ponto de vista social, o que precisamos é ter uma maior disponibilidade dos testes para a população como um todo, beneficiando mais pessoas", argumenta a Dra. Cristina. Ela também assegura que, atualmente, é possível testar mais de duas mil doenças nestes painéis de portadores, sendo as principais ou mais frequentes a Fibrose Cística, a Síndrome do X-Frágil, a Atrofia Muscular Espinhal (AME), Alfa e Beta Talassemia, Surdez Hereditária, Anemia Falciforme, entre outras. “Esse teste de portadores se tornou mais conhecido no Brasil nesses dois últimos anos. Por isso, os casais que seguem para um procedimento de Fertilização In Vitro (FIV) estão procurando, a cada dia, saber mais sobre eles e buscam uma avaliação”, observa. 

A geneticista esclarece que o teste pode ser solicitado também por casais sem histórico de doença genética familiar conhecida, pois essas condições estudadas são de herança recessiva e as pessoas são portadoras saudáveis das alterações. Assim, o teste pode ser feito por qualquer pessoa saudável –, mas existem casos em que a indicação é bem clara, como para casais consanguíneos (primos). “As avaliações realizadas atualmente no Brasil são voltadas a condições genéticas deletérias de fato. Não é feita, aqui, uma avaliação de genoma para risco de condições futuras. 

Os embriões são avaliados para condições genéticas de herança monogênica comprovada e a responsabilidade sobre o destino dos embriões é do casal. Temos as regulamentações do Conselho Federal de Medicina, que dita as regras de conduta para os processos que envolvem a Fertilização In Vitro”, completa Dra. Cristina. 

SOBRE A SBRA
A Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) representa, desde 1996, a maior parte dos centros que se dedicam à Reprodução Assistida no Brasil. Atualmente, as cinco regiões do Brasil possuem instituições associadas à entidade, que discute, pesquisa, capacita profissionais e participa ativamente da regulamentação do tema no país.

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