
Cannabis medicinal: acesso ainda é um desafio - Foto:            Fernando Frazão / Agência Brasil
        O uso de cannabis medicinal para tratamento da dor em          pacientes com doenças reumáticas ainda gera muitas dúvidas.          Médicos reuniram-se no Congresso Brasileiro de Reumatologia,          realizado em Goiânia no último fim de semana, para discutir os          prós e contras no uso da substância para fins medicinais.
        "A cannabis é uma planta utilizada pelo ser humano há          aproximadamente 13 mil anos. É da flor que extraímos o          canabidiol, que é o principal produto com indicação medicinal",          explicou a médica reumatologista Selma da Costa Silva          Merenlender, integrante da Comissão de Mídias da Sociedade          Brasileira de Reumatologia. 
        "Quando falamos da cannabis medicinal, o principal produto a          que nos referimos é o canabidiol (CBD), que não traz          dependência. A tal dependência está relacionada aos princípios          psicoativos de outro componente da planta, o THC, que é mais          encontrado nas folhas e nos caules, que é encontrado na maconha.          É importante separar a maconha, que está presente na folha, do          CBD, que é a cannabis medicinal e que está na flor",          acrescentou.
        O uso da cannabis tem sido sugerido por médicos e cientistas          para o tratamento de algumas doenças, entre as quais a epilepsia          refratária, que conta com estudos mais avançados e tem apontado          para um bom resultado. "No Brasil, a primeira aprovação [do uso          da substância] foi justamente para o tratamento de epilepsia          refratária em crianças, mas já existem evidências científicas –          e que estão em crescimento – da utilização da cannabis medicinal          para diversas indicações neurológicas, reumatológicas,          imunológicas, controles de peso, ansiedade e depressão", disse          Selma.
        No caso da epilepsia refratária, o uso da substância tem          contribuído para diminuir as crises convulsivas em crianças.
        Entre as doenças reumatológicas, a cannabis medicinal está          sendo indicada para síndromes dolorosas crônicas como a          fibromialgia e para o tratamento da dor relacionadas à artrite          reumatoide, espondilite anquilosante e psoríase. "O que a          cannabis medicinal faz, além de retirar a dor, é equilibrar o          organismo, trazer o paciente para um estado anterior da doença,          ou seja, ele fica menos doente. Mas a doença não é curada. No          caso da artrose, por exemplo, melhora a dor e a qualidade de          vida do paciente."
        O assunto, no entanto, é polêmico. Embora seja cada vez mais          comum pacientes que fazem uso de cannabis medicinal relatarem          melhoras na qualidade de vida, como o deputado estadual de São          Paulo Eduardo Suplicy, que toma o medicamento para tratar os          efeitos da doença de Parkinson, há poucos estudos científicos          sobre os resultados e também sobre os riscos.
         Isso ocorre principalmente no caso do tratamento da dor,          disse a médica Alessandra de Sousa Braz, professora de          reumatologia da Universidade Federal da Paraíba e integrante da          Comissão de Dor, Reumatismo de Partes Moles e Fibromialgia da          Sociedade Brasileira de Reumatologia. "Precisamos valorizar a          cannabis medicinal, mas, quando valorizamos, precisamos saber          que há prós e contras. Ninguém prescreve nenhum fármaco na          reumatologia sem saber o que é bom ou ruim."
        No Brasil, o uso da cannabis medicinal não é livre: é preciso          que um médico faça a prescrição. Até 2015, por exemplo, a venda          de algum produto com canabidiol, substância derivada da          cannabis, era proibida no país. Então, a Agência Nacional de          Vigilância Sanitária (Anvisa) incluiu o canabidiol na lista de          substâncias controladas. Isso significa que empresas          interessadas em produzir ou vender derivados da substância          precisam ter registro na Anvisa e que pacientes têm que          apresentar receita médica para comprar o produto.
        Atualmente existem apenas três formas de acesso ao          canabidiol: em farmácias, por meio de associações ou por          importação. Ainda não existe uma política de fornecimento          gratuito de produtos à base de canabidiol por meio do Sistema          Único da Saúde (SUS). O que há são projetos em tramitação no          Congresso Nacional buscando garantir o acesso de pacientes que          precisam dessas terapias ao SUS.
        
Estudos incipientes
        Médica em João Pessoa, Alessandra costuma receber diversos          pacientes que já usam a substância. "Para dores neuropáticas          mais intensas, e que falharam para outros medicamentos, já há          dados de literatura bem importante [falando sobre o uso da          cannabis medicinal]. No caso da fibromialgia, que é uma doença          multidimensional, o paciente não só sente dor. 
        Ele tem dificuldade de dormir, alteração do sono, alteração          de humor, alteração da memória." Os pacientes que têm          fibromialgia e vem usando a substância costumam relatar melhora          na qualidade de vida, do humor e até da libido. No entanto, as          evidências de que a substância age sobre a dor ainda são fracas.          "Não sou contra [o uso da cannabis], mas quero saber o uso          correto, ter uma indicação assertiva, e que a gente também          estude os efeitos adversos do medicamento."
        Segundo a médica, também é preciso esclarecer que o uso desse          medicamento não é livre para todas as pessoas. Em crianças e          adolescentes, grávidas e idosos, a cannabis medicinal pode até          apresentar riscos relacionados, por exemplo, à memória,          problemas cardiovasculares e até associados ao leite materno.          "Não sou contra a cannabis. Sou contra o uso inadvertido até          para não queimar etapas", afirmou.
        Para Alessandra, faltam mais estudos sobre os efeitos da          cannabis medicinal, principalmente os relacionados ao tratamento          da dor e aos efeitos colaterais. "Como é que eu vou estimular o          uso de um medicamento que só tem estudo por pouco período sem          avaliar os riscos de longo prazo?", questionou.
        "Normalmente, quando se prescreve o remédio, ele passa por          quatro fases de estudo: um pré-clínico, que é antes de ser feito          em ser humano para ver se é seguro e eficaz; a fase clínica, já          no ser humano, quando se faz inicialmente em uma pequena          quantidade de pacientes para ver se é seguro e, depois, em um          grande número de pacientes para ver se é eficaz e seguro. Depois          entra na Fase 4, que é o que a gente chama de comercialização. O          que me preocupa é que é preciso uma normatização: qual é a dose,          qual é o miligrama e qual é a posologia correta?", disse a          médica paraibana, em entrevista à Agência Brasil.
        Efeitos positivos
        A adolescente Yasmim, de 13 anos, foi diagnosticada com          lúpus, artrite reumatoide e doença de Crohn. Sua mãe, Silmara          Marques Pereira de Souza, disse à Agência Brasil que ela sofre          continuamente de dores nas articulações, enjoos e dores em todo          o corpo há cerca de dois anos.
        Há um mês, por indicação médica, Yasmim passou a usar a          cannabis medicinal como complemento aos tratamentos. "Eu achei          maravilhoso. O uso da cannabis já levou à diminuição do          corticoide. Ela tomava 40 mg e agora está tomando 5 mg. Teve          altos e baixos, mas, com a cannabis, o sono melhorou muito, as          dores reduziram-se bastante. Ela continua sentindo dores,mas          está tendo uma vida mais tranquila do que a de antes",          acrescentou Silmara.
        A reumatologista Selma reforçou que terapias com cannabis não          são indicadas para todo tipo de doença, mas podem ajudar no          tratamento convencional de muitos problemas, entre os quais, a          fibromilagia. Isso significa que a substância pode ser um          complemento ao tratamento, atuando em alguns dos sintomas          associados à doença. "Como qualquer medicação, ela [cannabis]          tem suas indicações e suas restrições."
        "No contexto da fibromialgia, melhorar a qualidade de vida, o          padrão de sono e o transtorno de humor é tão importante quanto o          desfecho da dor. Esses pacientes, às vezes, trazem a dor para um          palco secundário quando todo o resto melhora", reforçou uma das          médicas do Rio de Janeiro, que acompanhava a mesa de debate          sobre o tema no congresso em Goiânia e que recomenda o uso da          cannabis medicinal como terapia.
        Custo elevado
        Mais do que polêmica, a cannabis medicinal ainda é pouco          acessível no Brasil, e isso se deve principalmente ao custo          elevado da substância. "No tratamento [da Yasmim], que vale para          três meses, está em torno de R$ 400 até R$ 700", informou          Silmara, que torce para que a cannabis chegue ao SUS.
        De acordo com Selma, o que eleva o preço do medicamento é o          fato de o cultivo ser proibido no país. "O problema do acesso          está relacionado ao preço. E o preço está relacionado ao fato de          ser proibido o plantio da cannabis no Brasil seja para o uso          recreativo, que é proibido, seja para o uso medicinal. É preciso          importar todo o óleo e dilui-lo aqui no Brasil. E é claro que          isso vai ficar caro. Este é um fator restritivo. Hoje, um          tratamento básico, com uma dose mínima de canabidiol, sai a R$          200 ou R$ 300 por mês."
        Com isso, lembrou Alessandra, apenas pessoas de renda mais          alta estão tendo acesso a esse medicamento. Por isso, a médica          afirmou que a cannabis precisa ser bem estudada e, então,          regulamentada para melhorar o acesso de toda a população ao          medicamento.
        *A repórter viajou a convite da Sociedade Brasileira de          Reumatologia
      



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