![]() |
Crédito: Valterci Santos |
Lorena Nogaroli*
A publicação de Entitled – The Rise and Fall of the House of York, do historiador Andrew Lownie, reacende escândalos que pareciam superados na monarquia britânica. Lançada em 14 de agosto, a obra mergulha nos bastidores da vida do príncipe Andrew e de sua ex-esposa Sarah Ferguson. O título — Entitled — não é gratuito: em inglês, remete à posse de um título e à arrogância de quem acredita que tem o direito por nascença. Não temos uma palavra em português com a mesma carga. E é justamente essa ambiguidade que move o livro: ele não é só sobre uma figura real, mas sobre uma cultura de privilégios.
Lownie pinta Andrew como arrogante, emocionalmente instável e compulsivo. Relata que o príncipe teria perdido a virgindade aos 13 anos e mantido relação mais íntima com Jeffrey Epstein do que o Palácio admitira. Sarah Ferguson surge como impulsiva e financeiramente irresponsável.
Era público que Andrew era o filho favorito da rainha Elizabeth II. Ela o protegeu enquanto pôde. Mas, antes mesmo da morte da monarca, ele já havia sido afastado de funções públicas e destituído de títulos e honrarias. Um gesto simbólico — e inútil — para conter a perda de confiança da opinião pública.
O lançamento foi meticulosamente planejado. Capítulos saíram no Daily Mail, criando expectativa. Em seguida, os grandes jornais britânicos entraram em cena, ampliando a repercussão. Antes de chegar às livrarias, o livro já estava entre os mais vendidos.
A recepção midiática internacional foi imediata. O Times chamou-o de “retrato implacável”, o Guardian destacou a ligação com Epstein, e na GBNews, o político Jacob Rees-Mogg classificou tudo como “fofoca sórdida”. Lownie rebateu, afirmando que entrevistou mais de 300 fontes, e a família real, segundo ele, tenta desqualificá-lo porque “o conteúdo é verdadeiro”.
O Telegraph, mais ácido e conservador, criticou a superficialidade da obra, que, embora factual, não teria profundidade psicológica. O autor preferiria o escândalo à complexidade. A crítica faz pensar: estamos mesmo diante de um retrato fiel ou de uma versão moldada para caber no escândalo? “Não é o fato, é a versão do fato”, diz o ditado. Em tempos de guerra simbólica, contar uma história é um ato político. E mexer na narrativa pública de uma figura da realeza — ainda mais uma em queda — é mexer em um vespeiro.
A RepTrak®, referência em reputação, diz que a imagem pública tem três camadas: racional, emocional e narrativa. Abale a última, e todo o edifício desaba. Walter Benjamin, Foucault e Galeano já nos lembravam: quem conta a história escolhe o que silenciar. Questionar isso não relativiza a verdade — apenas tira a venda dos olhos.
Andrew já era o membro mais impopular da família real, segundo pesquisa da YouGov. Desde 2019, quando Virginia Giuffre o acusou de abuso sexual — o que ele nega —, sua reputação estava em ruínas. A entrevista catastrófica que deu à BBC apenas piorou tudo. O livro não o derrubou. Apenas fincou mais fundo a estaca.
Mas a crise não se limita ao protagonista. A revista Marie Claire publicou relatos de que as filhas do casal, Beatrice e Eugenie, estão “devastadas” e se sentem “vítimas inocentes”. E são. Em escândalos públicos, os danos não atingem apenas quem erra — respingam em todos à volta.
No Brasil, já vimos esse roteiro: nomes que viram fardos, famílias que pagam a conta do sobrenome. Durante a Lava Jato, o sobrenome Odebrecht virou peso morto. As filhas do empresário Marcelo Odebrecht pediram na Justiça para apagá-lo dos documentos. Estigma não respeita presunção de inocência. Nem afeto.
Sarah Ferguson, por sua vez, escolheu a pena como arma. Vai responder em livro — uma autobiografia prometida para 2026. Estratégia que ecoa o Código de Hamurábi, em que a pena refletia o dano: “olho por olho, dente por dente”.
Enquanto isso, a monarquia opta pelo silêncio, criticado pelos que se dizem especialistas em reputação. Mas inevitavelmente enfrentará novos choques com a resposta que Sarah promete. Ou seja, o silêncio pode ser criticado agora, mas justificado no futuro.
Enquanto isso, William, o herdeiro, observa em silêncio. Está fora das manchetes, com 74% de aprovação, segundo o YouGov. Não há escândalo à vista. E aí talvez esteja a pergunta mais incômoda: por que tanto foco em Andrew, o oitavo na linha de sucessão? A quem interessa queimar de novo o que já virou cinza?
Existe uma estratégia velada entre gestores de reputação: sacrificar o que já está perdido, para proteger o que ainda importa — longe dos olhos do público, mas bem guardado no centro do palco.
*Lorena Nogaroli é especializada em Gestão de Riscos e Crises pela LSE. Fundadora da Central Press, dirige o escritório da agência de reputação em Londres.